quinta-feira, 13 de abril de 2017

Da ignorância da Censura ou da genialidade de Raul Seixas: “Das inconveniências de uma mosca”.



Da ignorância da Censura ou da genialidade de Raul Seixas: “Das inconveniências de uma mosca”.


O baiano Raul Seixas, o roqueiro brasileiro por excelência, dispara contra a Ditadura com letra ácida, satírica e incisiva, que soou nonsense, estúpida e de mau gosto à “inteligência” da Censura. 


Os censores Joel Ferraz e Jacira Françaa, em análise “técnica” e  apurada, liberaram a letra de “A mosca na sopa” com a seguinte conclusão: “em que pese a estupidez e o mau gosto, somos pela liberação, já que não atinamos a comprometimento de outros” (Censura, 9 de abril de 1973).


“Eu sou a mosca Que pousou em sua sopa, Eu sou a mosca Que pintou pra lhe abusar; Eu sou a mosca Que perturba o seu sono, Eu sou a mosca No seu quarto a zumbizar” (Raul Seixas, 1973). Em poucas palavras, a Mosca de Raul Seixas identifica-se para a Censura e manda o seu recado, que passa despercebido,  à Ditadura: “E não adianta Vir me dedetizar Pois nem o DDT Pode assim me exterminar Porque você mata uma E vem outra em meu lugar. (Raul Seixas 1973).


A Censura não entendeu que a metáfora foi genialmente utilizada pelo poeta irreverente do rock brasileiro ao representar a resistência à Ditadura através de uma mosca “incoveniente” e que manda um recado desaforado ao dizer que não adiantaria nem mesmo o extermínio com DDT. O DDT é o primeiro pesticida moderno, largamente usado durante e após a Segunda Guerra Mundial para o combate aos mosquitos vetores da malária e do tifo e neste caso da letra de Raul Seixas o DDT representa os órgão de Inteligencia e Repressão da Ditadira, o DOI-CODI, DOPS, etc.


A letra d”A mosca na sopa” de Raul Seixas foi analisada pelo DCDP – Divisão de Censura de Diversões Públicas, órgão responsável por inibir as produções culturais que contrariavam as doutrinas militares. Toda produção cultural deveria ser submetida à censura para análise e parecer liberando ou não. No caso da Mosca de Raul Seixas foi liberada por não ter sido compreendida pelos sensores a mensagem subjacente na letra, sendo esta tratada como “inexistente”, quando na verdade veiculava em sua linguagem “simples” um recado direto aos repressores.


Alem de Raul Seixas, artistas como Gilberto Gil, Chico Buarque e tantos outros, para driblar a censura, utilizaram de estratégias semelhantes para expressar de modo sutil toda a insatisfação de sua época. Estratégias linguísticas eram utilizadas para driblar a censura, mas a mensagem não passava despercebida pelo público. A Censura vetava também as letras que eram consideradas por eles atentado ao pudor, aos bons costumes e até mesmo se a linguagem apresentasse variação fora da norma padrão. 


Por causa dessas restrições impostas pela censura os artistas brasileiros fizeram dos anos da Ditadura o período mais criativo da arte brasileira, diferente da época atual de “liberdade” de criação em que vivemos.


Por Inamar Coelho, 13/04/2017