domingo, 3 de junho de 2018

Musica e alienação


Ah se estivéssemos na ditadura, dizem alguns!. 
Ligamos o rádio e ouvimos a produção musical brasileira que a mídia divulga e ficamos a nos perguntar se é só isso que nos resta. 
Vivemos em tempos de crise e não mais utilizamos a arte, nem para contestação. 
Se estudarmos a produção cultural da época da ditadura, principalmente a musical, logo notamos o tamanho do cerceamento da liberdade de expressão. 
Contudo também notamos também o nível de elaboração e de criatividade para poder dizer pela música o que era impossível dizer na cara da censura. 
Dizem alguns por aí que viveram no tempo da ditadura e acharam um tempo bom, talvez pelo egoismo exacerbado de achar bom qualquer situação desde que não lhes afete diretamente. 
Deve ter sido mesmo um tempo muito bom para a produção musical alienada que só podia falar do amor romântico ou de situações banais, como a que temos hoje, mas sem pornografia, ou do tipo Roberto Carlos e o que veio depois com a jovem guarda. 
Mesmo na Jovem Guarda com seus namorinhos de portão, splish splash, etc. para falar de sexo a linguagem era metafórica e por isso agradável, vejamos o caso de "Música Lenta" de Lilian Knap... 
Tivemos até uma produção significativa em língua inglesa em terras tupiniquins, tamanha era a repressão: Fábio Junior era Mark Davis ou Uncle Jack, Jessé era Tony Stevens, etc. que até gosto mas sei que era só alienação pura. 
Quem queria fazer música inteligente e contestatória precisava lançar mão de metáfora da metáfora para dizer alguma coisa. Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Raul Seixas, Tom Zé, entre outros, disseram o diabo e eles da censura nem notaram.
Inclusive Raul escreveu "Doce, doce amor", aquela que Jerry Adriani gravou, mas a mensagem era sobre a liberdade: "Doce, doce amor que eu vou te encontrar, (liberdade) Meu bem seja onde for"... 
Tom Zé, por exemplo, no disco Todos os olhos de 1973, fez uma capa genial na qual exibia um ânus e a repressão nem notou. 
Raul Seixas gritou alto em em bom som na sua Mosca na sopa que "não adianta vir me dedetizar, pois nem o DDT (DOI) pode assim me exterminar, porque cê mata uma e vem outra em meu lugar" e foi liberada por ser classificada como besteirol pela inteligência. 
Hoje não há repressão e a nossa música que está acessível nas mídias atingiu o nível mais alto de alienação, não diz nada e há mais de 20 anos repete a mesma fórmula non sense alienante falando de amor não correspondido, de traição, de erotismo, de sexismo, de banalidades, de futilidades, com refrões chiclete, pegajosos, e ao mesmo tempo efêmeros, descartáveis. Pior é que o povo gosta assim e sai a cantar " Bilu, bilu, bilu...". 
Será talvez por isso que muita gente atualmente cogita pensar no retorno à uma ditadura para ver se nossa arte acorda e volta ao tempo da produção inteligente?

Inamar, 03 de junho 2018