sábado, 24 de agosto de 2019

A vida arde


A vida arde.

O velho índio
que esperava o céu descer
...que seus olhos e veias
adubassem a floresta
quando não pudesse mais ver Guaraci...
no “Dia do fogo”
a floresta arde e ele tem que fugir...
sem Peabiru...
na devastação...

Na retina a fumaça
o inferno dos homens
que consome a floresta
os espíritos das fontes...
...nos espelhos d’agua
...Iara arde

Na desolação
os bichos fogem
sufocam...
muitos morrem
...aos montes
agoniza toda a criação
a vida arde
Yamandu acode
como pode
Jaci chora na escuridão...

A morte rodopia insana
ao comando das bestas-feras
para destruir o santuário da vida...
futuro é incerto
na queimada tirana
o dragão da ignorância
cospefogomatavida
...as bestas ao seu controle
alimentam o espírito do deserto
...a vida arde
na sanha genocida
triste sina...

o velho índio não é Irãmaîé
pra sobreviver
para poder contar

A mata arde, a esperança arde, o velho arde...
“...era uma vez uma floresta na linha do Equador”
no frenesi da ganância covarde, a terra arde
e do sangue do velho 
nascerá uma flor...

Inamar Coelho (agosto de 2019, quando o brasil resolveu deixar a floresta queimar)


Notas:

Guaraci: Quaraci, Coaraci ou Coraci (do tupi kûarasy, "sol") na mitologia tupi-guarani é a representação do Sol;

Peabiru: Caminho do Peabiru (na língua Tupi, "pe" – caminho; "abiru" - gramado amassado) são antigos caminhos utilizados pelos indígenas sul-americanos desde muito antes da invasão do continente pelos europeus, ligando o litoral ao interior do continente;

Iara: Sereia do folclore brasileiro, a mãe d'água;

Yamandu: Deus criador na mitologia tupy-guarany, entidade mitológica sem forma material.

Jaci: Deusa da lua criada por Tupã para ser a rainha da noite;

Irãmaîé: Personagem da mitologia tupy-guarany. Teria sido o único ser humano sobrevivente de um grande incêndio que teria dado origem ao mundo. Dele, seriam descendentes todos os seres humanos da época anterior ao dilúvio.