sábado, 28 de janeiro de 2017

Mensagem recebida em grupo do Whatsapp:

Premiada pela UNESCO, Clarice Zeitel (dançarina do Caldeirão do Huck), de 26 anos, estudante que terminou a faculdade de Direito da UFRJ em julho, concorreu com outros 50 mil estudantes universitários. Ela acaba de voltar de Paris, onde recebeu um prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por uma redação sobre 'Como vencer a pobreza e a desigualdade'.Tema: 'Como vencer a pobreza e a desigualdade'.

lá vai!

Primeiro o fato de vencer o concurso precisa que se leve em conta muitos aspectos preponderantes: Nível dos participantes, crivo da banca, tema, discurso, etc, mas fiquemos no discurso veiculado. Li o texto e me senti na obrigação de comentar. 

O texto revela muitas coisas, inclusive a falta de coerência entre tema e conteúdo, mas não vamos nos ater em especificidades de construção textual nem mesmo gramatical, vamos para os discursos que simulam uma consciência que se quer nacional. O texto generaliza a situação do país por uma ótica exclusiva da problemática política e da crise que nos últimos anos tornou-se material de exploração da mídia de uma forma jamais vista: a corrupção política, o jogo de poder, a barbárie nas relações, a exploração do homem, a divisão das classes, etc, etc,. Aspectos que remontam os primórdios da vida em sociedade, basta recorrer à história para saber. Vou selecionar alguns trechos do texto em questão e tecer meu comentário a partir dos sentidos possíveis, a partir da minha leitura de mundo:

“Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.” Diz a estudante premiada!

Talvez até tenha razão se ela se refere única e exclusivamente à classe política que comanda o Pais. Se for o caso, ela está fazendo a velha e condenada generalização, que tanto não dá conta de descrever a realidade, quanto menos de resolver e apontar um caminho para solução do problema. Por outro lado, levando-se em conta que a classe política é apenas 1% da população do Brasil e o Brasil é o seu povo, tenho que discordar da afirmação da moça: A grande maioria dos indivíduos que compõem o povo brasileiro apresenta justamente o contrário: Caráter, pois a grande maioria trabalha como pode e se mantém digna e honesta mesmo ganhando menos que um salário mínimo; Solidariedade, pois por todos os lados vemos os grupos irmanados em prol das suas lutas e suas causas, sobrevivendo como pode na luta por um lugar no todo; Responsabilidade, pois todos fazem a sua parte na tentativa se mudar a sua realidade, seja votando, seja estudando, seja trabalhando, seja pagando seus impostos, seja fazendo a sua parte ao seu modo. Não posso generalizar o país a partir da imagem pessimista da minoria desonesta, aproveitadora, oportunista, mentirosa, dissimulada, que existe aqui como existe quem qualquer parte do mundo e em qualquer época.

“Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil, está mais para madrasta vil. A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.” Diz a moça, convicta!

O Brasil nos últimos anos tornou-se o país com maior número de programas sociais e com a maior abrangência de território, inclusive no que se refere ao acesso à educação. A democratização do acesso à universidade para todos é algo que não pode ser desconsiderado. Muito menos no que se refere à Educação básica. O país apresenta programa de valorização profissional, financeira e formativa; disponibiliza material didático de qualidade, alimentação escolar, transporte, acesso à informação, programas educacionais e de apoio social, incentivo à profissionalização, financiamento estudantil, etc. etc. etc, Como assim não é uma pátria mãe gentil? Ela mesma, a estudante, egressa de uma instituição federal que a formou na área do Direito e dançarina do Caldeirão do Huck, na Globo, não levou em consideração este outro lado da questão?

“É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem! A mudança que nada muda é só mais uma contradição.” Assevera a cidadã instruída!

Aqui ela revela um discurso clichê, repetido aos quatro ventos sem a mínima reflexão. Nos anos que seguiram a Constituição o país o que mais vivenciou foram mudanças estruturais e revolucionárias e o que se revelou foi que a verdadeira mudança necessária é na consciência do cidadão: Estudar mais, ao invés de perder tempo com futilidades: nosso país é imensamente carente de mão de obra qualificada, de profissionais capacitados, de estudantes pesquisadores, etc, etc, etc. A mudança necessária precisa ser feita na base, para que um dia o cidadão saiba votar, saiba escolher o governante e saiba reclamar seus direitos com fundamentação e com embasamento, para não cair na reprodução clichê. Ela até deu indícios dessa consciência na sequencia do seu pensamento exposto no texto, mas contraditoriamente retoma outra frase/bordão clichê utilizado amplamente para criticar os programas sociais engendrados no Brasil visando minorar a desigualdade que ela tenta simular uma possível solução : “Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar”. 

“As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)...” Diz a jovem em profunda reflexão. Que culpa? Nossa? De que lugar social ela fala? Isso é revelador.

Ora, as classes média e alta só passaram a reclamar quando justamente a pátria passou a ser “Mãe gentil” e intentou agasalhar todos os seus filhos, todas as classes marginalizadas, todas as minorias, todos os miseráveis, e ironicamente, todos esses cidadãos repudiaram a sua mãe gentil atendendo ao apelo da Elite via Mídia e validaram uma revolução estrutural que não necessariamente melhorou o Brasil, nem acabou com o desemprego, com a pobreza, etc. etc. etc.. Que se indignou em ver pobre e negro na Universidade, nos aeroportos, nos shoppings?

“E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?” Questiona!.

E que posicionamento é este que dá indícios de manutenção do status quo que intenta criticar? Que posicionamento é este que se faz apenas da visão particular sem levar em consideração o todo, o conjunto dos indivíduos de um país continental com no mínimo 4 zonas climáticas, no mínimo 5 realidades de desenvolvimento , no mínimo 3 regiões de desenvolvimento econômico, social, etc, e com enorme concentração de etnias e culturas vivendo em harmonia. etc. O Brasil não se resume ao Rio/São Paulo/Brasília.

“Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou excluído?

Como gente... Ou como bicho?” Indaga-nos, mas não responde ao que se propôs: ” Como vencer a pobreza e a desigualdade”.

Qual o problema de ser pobre no Brasil juntamente com 70% da população digna e honesta que ganha a vida com o suor do próprio rosto? O fato de não ter emprego para todos, de não ter hospitais suficientes para todos, etc., é um problema real, sem dúvida, tanto pelo tamanho do país, quanto pela falta de ações do governo em prol de minorar as dificuldades. É inegável que o país padece de ações efetivas que visem erradicar a pobreza e a desigualdade, mas que também é preciso politizar o cidadão para que o mesmo tome consciência do seu poder para poder cobrar, votar, participar, etc. 

Preocupante ver que textos como estes são premiados e disseminados sem reflexão. 

É como se houvesse uma tentativa exagerada de fundar na consciência do brasileiro um sentimento de recusa à própria condição de brasileiro, um sentimento de desorientação identitária, uma visão embaçada da realidade, uma falta de relação de pertencimento, etc, e talvez por isso textos como este são justamente por isso, selecionados, premiados e divulgados.

Não há dúvida de que é necessária uma mudança na forma de governar este país, mas sem abandonar a democracia conquistada e sem rompantes revolucionários que apenas subvertem o poder instituído para que sejam mantidas as regalias da elite. O texto da moça tem seu mérito, mas é carente de reflexão e é pautado na generalização de uma visão negativa pautada apenas no aspecto político, sem reflexão.

O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de contradições.” Dispara a jovem!

Concordo, mas com outro ponto de vista que valoriza esta contradição: 

Vejo o Brasil como o melhor lugar do mundo, mesmo com os problemas centenários que o afligem, desde que Portugal tomou posse. Vejo um povo esperançoso, mesmo que sofrido; Vejo um povo com potencial, mesmo que “ocupado” pela mídia unilateral e perniciosa; Vejo um povo atento, mesmo sem a capacidade de se desvencilhar das vendas que lhe são impostas; Vejo um povo de boa fé, mesmo sem entender direito o poder do voto; Vejo um povo hospitaleiro, mesmo com tanta dificuldade; vejo um povo sobrevivente, mesmo com tanta desigualdade social; vejo um povo vivo, mesmo ante a opressão da miséria, da injustiça e até do clima. 

E o que é um país senão o seu povo? 

(Inamar Coelho)

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